segunda-feira, 18 de abril de 2011

Dos prazeres de Sofia

Sofia sempre foi diferente, nunca gostou do mundo que vivia. Ela gostava de um mundo só dela, um mundo em que ela só encontrava quando se perdia.
Em meados de abril, em um outono não muito suportável ela resolveu sair um pouco mais do comum, fez amigos novos, foi a lugares novos, experimentou coisas novas. Tudo aquilo era simplesmente fascinante pra ela. Não havia um dia em que ela não fosse dormir com um sorriso no rosto por ver que sua vida finalmente tinha se tornado o que ela queria.
Ou pelo menos o que ela achava que queria...
Sofia esqueceu que as conseqüências viriam um dia, esqueceu que tudo que de mal que você faz volta pra você, não que ser feliz fosse algo ruim, muito pelo contrário, mas o que ela estava fazendo para ser feliz era.
Ela passava dos limites e não ligava pro próximo dia, ela abusava das substancias que deixavam ela feliz que por mais que fosse momentâneo a deixavam embriagada de amor, mas ela queria mais, ela queria viver pra sempre naquele mundo.
Aquele maldito mundo, onde todas as cores tinham um brilho imensuravelmente forte, onde as músicas entravam em sua cabeça como uma batida que lhe davam uma sensação de só conter notas ao invés de sangue em seu coração, Sofia não queria mais sair daquele mundo, aquele mundo em que havia sabores no vento.
Ela se afundou em seu mundo, virou escrava de suas emoções, um zumbi criado por ela mesma. Ela esqueceu que havia uma vida lá fora esperando para ser vivida.
Não lembro bem quando foi, mas Sofia havia parado um pouco com sua vida de felicidades momentâneas e se esforçou ao máximo para voltar a real. Ela tentou, tentou com todas as forças que haviam dentro de si, mas não deu. Ela não aguentava mais, ela precisava voltar, aquela realidade estava destruindo Sofia aos poucos.
Ela voltou, a garota inútil que tinha medo de viver voltou à mesma porcaria de vida de antes, não queria mais saber de futuro, não queria mais saber do mundo, não queria mais saber de Sofia.
Assim que voltou fez questão de fazer tudo em dobro, não queria saber das consequências, queria sentir em seu sangue as batidas da liberdade.Ela só não contava com aquela voz em sua cabeça, aquela voz que dizia repetidamente para que ela parasse com aquilo tudo, ainda havia tempo. Sofia não parou.
Sofia começou a sentir seu sangue ficar quente, tudo girava, nada mais fazia sentido e ela gostava disso.
A voz não parava um instante sequer, Sofia continuava, a voz insistia, Sofia aumentava a dose, a voz implorava para que ela parasse.
Sofia parou.
Ela não sentia mais nada, não ouvia as batidas, não via as cores, ela via pessoas correndo a seu encontro. Ela não entendia direito o que estava acontecendo mas a sensação de estar perdendo o sentido de todas as partes do seu corpo continuavam a aumentar.
Sofia daria tudo pra voltar no tempo e escutar aquela voz.
Mas era tarde demais, Sofia não aguentava mais a dor que sentia, não aguentava mais o gosto de seu sangue que estava em sua garganta quente como a lava de um vulcão, não aguentava mais olhar ao lado e ver todos com pena e com espanto, seus olhos pegavam fogo, sua mão congelada tentava relutar contra ela mesma.
Parece que o tão esperado dia chegou, Sofia finalmente conseguiu o que queria.
Sofia não existia mais...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A menina que roubava livros,



Acabo de perceber que, se algum dia tive pretensões como crítico literário, foram grandes ilusões. Um crítico precisa ser mais racional e analítico, já eu, sou facilmente conquistado por uma simples história diferente, porém profunda.
Mas também, quando a morte conta uma história, você deve parar para ler.
Liesel Meminger é a menina que nossa narradora — a morte — encontrou três vezes. A garotinha conseguiu tapeá-la nas três.

Impressionada, a ceifadora de almas decide nos contar sua trajetória, pois, como ela mesma diz, em seu ramo de trabalho, o único dom que lhe salva é a distração. Ela mantém sua sanidade.

Apresentando
A Alemanha nazista.
Uma menina com um irmão morto.
Um livro preto com letras prateadas.
Neve.
Dois pais de criação.
A mulher com punhos de ferro.
O enrolador de cigarros.
Um judeu escondido no porão.
Palavras…
…e bombas.

. Eis um pequeno fato .
Você vai morrer.

A pergunta é: qual será a cor de tudo nesse momento em que eu chegar para buscar você? Que dirá o céu?

. Uma pequena teoria .
As pessoas só observam as cores do dia no começo e no fim,
mas, para mim, está muito claro que o dia se funde através de uma multidão
de matizes e entonações a cada momento que passa.
Uma só hora pode constituir em milhares
de cores diferentes — amarelos céreos, azuis borrifados de nuvens. Escuridões enevoadas.
No meu ramo de atividade, faço questão de notá-los.

Primeiro aparece uma coisa branca. Do tipo ofuscante. É muito provável que alguns de vocês achem que o branco não é realmente uma cor, e todo esse tipo batido de absurdo. O branco é sem dúvida uma cor e, pessoalmente, acho que você não vai querer discutir comigo.

. Um anúncio tranqüilizador .
Por favor, mantenha a calma, apesar da ameaça anterior.
Sou só garganta…
Não sou violenta.
Não sou maldosa.
Sou só um resultado

Ei, acorde! Ela não está atrás de você, ela sequer procura você. Ela só chega quando é tarde demais. E faz o seu trabalho.

Como eu falei, parece muito mais humano passar as sensações que um livro possa trazer.

Alegria.
Ternura.
Tristeza.
Euforismo.
Solidão.
Orgulho.
Medo…
…e a Morte.

Foi nos livros que Liesel viu a oportunidade de fugir daquilo tudo que a perseguia. Ela esquecia do irmão morto com um olho aberto, no chão do vagão do trem.

Ensinaram-na a ler. Um certo enrolador de cigarros e um acordeonista.

No abrigo, durante os bombardeios, ela sacudia as palavras para manter todos mais calmos. E longe de mim. Era a sacudidora de palavras.

Até que um dia ela escreveu seu próprio livro.
Até que um dia as sirenes não tocaram para avisar sobre as bombas.
Até que um dia a rua Himmel foi devastada.
Até que um dia só sobrou a menina que roubava livros nos escombros de um porão raso demais para suportar.

Uma sobrevivente.
Um acordeão quebrado.
Um beijo tarde demais.
Um livro perdido e devolvido em tempo.

Venha comigo, quero lhe contar uma história. Vou lhe mostrar uma coisa.

. A nota final de sua narradora . – Os seres humanos me assombram.