domingo, 3 de outubro de 2010

Dizem que a vida passa em flashes quando ela está por um fio. Ou um gatilho, ou qualquer coisa curta que dispara com pouca pressão. Nunca vi esses flashes, nem os pedaços de filme passando, os momentos importantes, nem nada disso. No caso do gatilho, minha cabeça continuou a mesma, com a diferença que estava prestes a ser explodida. Explodida por alguma palavra errada, por um segundo a mais de descuido, por qualquer movimento brusco, ou olhar atravessado. Você passa por isso todo dia, com a arma invisível na mão de todo mundo em volta, sua cabeça explodindo invisivelmente na cabeça de todo mundo em volta. Essas coisas acontecem.
Também acontece, as vezes, com uma arma de verdade, na sua cabeça de verdade, que irá explodir de verdade. E tudo que eu pensava não eram os flashes, nem os filmes, nem na minha infância - eu só pensava no dedo prensado atrás do gatilho, no espasmo involuntário que faria aquela coisa disparar. Não na minha cabeça. Na cabeça dos outros. Minha cabeça que se exploda. Acho que nunca tive aquele senso de auto-preservação na presença de outros. Heróico ou suicida, tem sido assim. Deveria ser uma forma muito estúpida de morrer, assim numa segunda-feira, por volta das oito da noite na mão de um vagabundo qualquer que aparece na calçada. Virar estatística nunca foi meu plano de vida. A cidade está infestada. Somos todos pervertidos, mendigos, ladrões, viciados, pedófilos, maníacos, charlatões, vagabundos, burocratas, contrabandistas, violadores, interesseiros, adúlteros, doentes, assassinos, desistentes. Convulsionando em objetivos dos quais não temos muita idéia do que se tratam, lutando por comida e aluguel, esperando um dia que jamais vai chegar, por pessoas que jamais vão existir, e tentando ser alguém que jamais seremos. Estamos todos no mesmo barco e o barco está cheio até a boca, transbordando todo mundo, e a hora de todo mundo vai chegar. Isso nao é o fim do mundo, porque o mundo é assim desde o começo até o fim. Reze para o seu Deus, chegue cedo no trabalho, pague seu aluguel, seja um cidadão de bem e quem sabe você esteja por um triz numa segunda-feira qualquer com um cano de aço roçando na sua blusa de lã.
Você sobrevive. O dia acaba e sua cabeça irá continuar explodindo por aí, na cabeça dos outros.
Isso enquanto você tiver uma cabeça, é claro.

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