quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Dos Prazeres de Sofia - Parte III

-Do capitulo das confissões-

Sinto que, a partir de agora, tudo o que venho guardando tenha que ser dito. Não consigo mais senti-la, mesmo estando colada em ti, não consigo mais sentir teu sangue correndo em minhas veias. E se isso continuar não poderei sequer sentir tua respiração, tua pele quente e macia, envolta em movimentos brutos.
Eu queria poder ir embora, tenho a anos tentado fugir de você, desde o momento em que senti tua mão encostar na minha, havia decidido ali que deveria ir embora. Por que? Porque desde a primeira vez que a vi soube que eu iria te amar acima de qualquer coisa, por livre e espontânea vontade eu larguei toda aquela porcaria de vida que eu levava. Quando você me abraçou decidi que queria ter um sangue mais limpo, e cada toque seu me fazia lembrar o lixo de pessoa que eu havia me tornado e, quando senti teu coração ligado ao meu, parei de beber pois já estava embriagada de tudo que vinha de você.
Tentei me tornar alguém pois achava que você iria odiar tudo em mim se descobrisse quem eu era. Quis te abandonar por te amar cada vez mais, quis te abandonar por não querer deixar de ser essa inconstante máquina de auto-destruição, não queria deixar de ser cinza. Eu nunca quis ser alguém, isso tudo nunca fez diferença pra mim, não fazia diferença estar viva ou morta, ter alguém ou não.
E tudo deixou de ser assim quando te conheci, eu desejei ser outra, eu mudei tentando fazer com que você sentisse por mim o mesmo que eu sentia por ti. Tornei-me fogo, um fogo impossível de se conter. Queimei tudo o que havia de passado em mim, queimei minha vida, criei um eu diferente. Destruí tudo o que havia de Sofia, senti-me mais pura, senti que era assim que eu deveria ser, por você, tornei-me outra.
E com o passar do tempo, me acomodei, tendo seu amor pouco me importava aquela maldita voz em minha cabeça que sempre dizia "A verdadeira Sofia jamais aceitaria isso". As vezes até tentava me lembrar de quem eu era, tentava associar as fotos ao passado, os cheiros aos momentos. Mas era em vão, eu havia realmente queimado tudo o que existia de Sofia em mim. Quer dizer, nem tudo, sentia que lá no fundo eu não havia mudado em nada, apenas enchi de máscaras minha verdadeira face.
E porque?
Agora eu me pergunto.
Por que tudo isso?
Tive medo de perde-la, tanto medo que preferi perder-me e preencher o espaço vazio com sua presença. Por esse amor desejei outro mundo, desejei tanto que acabei esquecendo quem eu realmente era. E quando dei por mim, lembrei de tudo que havia feito, de tudo que havia de passado em mim. E assim, todas as lembranças que eu jurava ter destruído voltaram a tona, um turbilhão de memórias, uma força brutal, tão brutal que ao se juntar com oque eu havia me tornado arrastou-me com tamanha rapidez ao fundo de mim que não pude lutar.
E por muito tempo eu permaneci lá...
Cheguei ao fundo de mim e me afogava cada vez mais em um oceano de Sofia, cheio de lembranças e presenças, musicas e fotos, fatos e tragédias. Me vi mergulhando em busca de mim mesma, sendo arrastada por correntezas de quem eu acreditava ser. Até que tudo se apagou.
Achei que ali seria o fim, que após todo esse ocorrido eu só teria que finalizar a história, só mais um ponto final e tudo acabaria...
Foi então que eu a vi, com aquele cabelo curto e bagunçado, com olhos tão negros que se podia observar o universo através deles, e senti que não era ali que eu deveria colocar o ponto final. Que eu a amava mais do que qualquer coisa no mundo, e que independentemente da pessoa que eu fosse, eu teria o amor dela, que independentemente do que eu fizesse, ainda poderia sentir o sangue dela em minhas veias, e que eu seria sempre o centro do universo dela.
E então, finalmente, eu escapei de todas aquelas correntezas que me levavam ao fundo, senti meu sangue queimando em minhas veias, senti meu coração pulsando cada vez mais rápido e me dando uma força descomunal, e usei de toda aquela força pra voltar a superfície de mim, nadei até não poder mais, nadei até a superfície do meu oceano.
Fiquei ali, por horas, flutuando. Vi que a Sofia que eu realmente era nunca foi nenhumas das duas que eu imaginava ser, me senti leve, vi que a verdadeira Sofia não era tão ruim quanto eu pensava, e afinal, me senti sendo humana. Tendo amor e ódio lado a lado, pude respirar, e todo o oxigênio que entrava em meus pulmões era doce, suave, leve como uma brisa.
E continuei ali, flutuando naquela calmaria de mim...
Continuei até o momento que ondas de fúria começaram a me levar ao fundo, de novo, eram enormes, amargas, não permitiam que eu sequer tivesse tempo de lutar contra elas, me acertavam de todos os lados. E eu tentava reagir, não queria voltar ao fundo, eu finalmente havia me encontrado e não queria de forma alguma ser levada por aquelas ondas.
Nunca tive força contra elas...
Estava afundando novamente, e cada vez mais. A luz diminuía, meu sangue estava ficando gelado, cada vez mais, cada vez mais escuro, cade vez mais gelado. Até que se congelou.
Quis ser levada por aquelas correntezas doces que cortavam meu oceano,mas elas eram brutalmente cortadas por correntezas amargas. E eu sentia que estava voltando ao zero. Estava novamente presa ao fundo de mim, com todas aquelas lembranças, havia perdido de vez aquela calmaria que a pouco se instalara, meu oxigênio começou a ficar raso, e o pouco que eu podia prender estava repleto de lâminas de ódios que me destruíam por dentro. E meu coração ficou fraco, novamente.
E por muito tempo fiquei presa ali, de corrente em corrente, e sem perceber ficava com marcas após passar por elas, marcas que provavelmente seriam eternas ou ao menos duradouras. Tive vontade de colocar o ponto final ali, quis desistir e esquecer que um dia tive tanto amor dentro de mim.
Até que tudo se acalmou...
Quando dei por mim tudo o que eu tinha conquistado havia se estilhaçado, tornaram-se areia todas as minhas esperanças e quando tentei pega-las novamente, escorregaram-se por entre meus dedos. E eu não tinha mais nada a fazer.
Só então eu acordei de mim.
Com toda aquela tempestade não pude notar que tudo havia se misturado, o amor e o ódio tomaram proporções assustadoras e desafiavam-se a todo momento dentro de mim. Tornei-me outra Sofia, uma Sofia estranha ao mundo, uma nova. Uma mistura de todas as outras que ao se juntarem, tornaram-me irreconhecível.
Continuei amando aquela garota com olhos negros que me levara a tudo isso, mas nossas batidas haviam saído do ritmo, nada que eu havia construído fazia sentido e o ponto final me parecia cada vez mais próximo e ao mesmo tempo mais distante.
Eu fui por muito tempo 8, depois fui 80 e agora me tornei 46.
Continuei sendo Sofia, mas havia agora uma sensação nova, de não pertencer mais a mim, uma sensação desconhecida de não poder dominar meu próprio mundo.
Eu a amei tanto que acabei perdendo o controle, e mesmo assim, mesmo depois de tudo, eu quis fugir e não pude, pois sabia que a unica coisa real que ainda existia em mim era aquele amor.
O meu.
O seu.
O nosso.
E agora, depois de tantas tempestades, encontrei calmaria. E mesmo sabendo que muitas delas ainda estariam por vir, e mesmo com essa sensação de não morar mais em mim, pude descansar, enfim...

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